Filme que mescla elementos de aventura com um retrato visceral da resistência indígena, Avaeté desafia o espectador.
Praticamente nenhum filme com cenas gravadas em Castanheira e Juína, noroeste de Mato Grosso, alcançou repercussão mundial como "Avaeté – A Semente da Vingança". Lançado em 1985, sob a direção de Zélito Viana, a obra, embora fictícia, mergulha nas raízes de um dos episódios mais sombrios da história brasileira: o massacre dos indígenas Cinta-Larga no chamado "Massacre do Paralelo 11", ocorrido em 1962 e revelado ao público apenas em 1968, graças aos registros do antropólogo Darcy Ribeiro.
Premiado em festivais como os de Moscou e Rio de Janeiro, o filme ganhou recentemente novo destaque ao ser incluído pela professora Marta Troquez, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), em uma lista de 12 produções nacionais que abordam com crueza e realismo a temática da descolonização. Em um cenário político polarizado, onde questões indígenas e memórias coloniais voltam a incendiar debates, Avaeté se revela mais atual do que nunca.
Entre Ficção e História: O Impacto de uma Narrativa
A trama acompanha Avaeté, único sobrevivente de um massacre perpetrado por madeireiros, interpretado pelo indígena Massuara Kadiveau, cuja performance emocionou a crítica internacional. Cenas como a morte brutal de um bebê indígena — retratada em uma fotografia que chocou o mundo na revista Time — ou o incêndio de uma aldeia (embora dramatizado) escancaram a violência do processo de "civilização" imposto aos povos originários.
O filme não apenas denuncia, mas também humaniza. Ao mesclar elementos de aventura com um retrato visceral da resistência indígena, Avaeté desafia o espectador a confrontar um passado que muitos prefeririam esquecer. Como destacou a crítica Marianna Marinon, a história de Avaeté e Massuara se entrelaçam: "Sua pele é o símbolo do sofrimento de toda uma vida".
Castanheira e Juína: Cenários de Memória
As filmagens em Castanheira e Fontanillas (em Juína) mobilizaram a comunidade local. Figurantes como o pecuarista José Arthur, o saudoso Antonio Stangherlin e até crianças que hoje ocupam cargos públicos — como o ex secretário de educação de Castanheira, hoje residente em Sinop, Diego Zonta e a professora Kátia Souza — deixaram suas marcas na produção. Os também saudosos Salésio Rondon e Gelson Ferreira da Silva, envolvidos com a maquete do avião incendiado em cena, simbolizam o envolvimento coletivo em um projeto que, à época, enfrentou resistências: a economia local dependia da madeira, e o país vivia sob o regime militar.
Um Legado que Resiste
Quase quatro décadas depois, Avaeté permanece como um farol artístico e político. Sua força está não apenas na denúncia, mas na capacidade de resgatar vozes silenciadas. Em um Brasil onde a demarcação de terras indígenas ainda é disputada e o revisionismo histórico ganha espaço, o filme lembra que a semente da vingança — ou melhor, da justiça — é também a semente da memória.
Para quem deseja conhecer essa saga, a indicação vai além da tela: leia "A selva de pedra cresceu em mim", reflexão poética de Massuara Kadiveau. Afinal, como o próprio Avaeté ensina, a verdadeira vingança é não deixar que a história se repita.
Este texto especial foi inspirado na edição de agosto de 2015 da Revista Innovare, revisitando uma obra que desafia o tempo e convoca à reflexão.