Parte da crise atual surge quando a Igreja troca a fidelidade às Escrituras pela sedução do poder temporal
Vivemos tempos de extremos. De um lado, bandeiras ideológicas erguidas como novos credos; de outro, identidades políticas tratadas como religiões. Famílias se rompem, amigos se evitam, igrejas se fragmentam – tudo em nome de narrativas que prometem salvação terrena, mas só aprofundam o abismo entre as pessoas. Em meio ao ruído das opiniões, uma pergunta ecoa: Onde está a verdade que liberta (João 8:32) e não apenas a que divide?
O século XXI é a era das "verdades" relativas, moldadas por algoritmos, tribos políticas e interesses. Cada grupo tem seu fact-checking particular, seu herói a ser cultuado e seu vilão a ser queimado. Mas o cristão é chamado a um padrão mais alto: "Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade" (João 17:17). Enquanto o mundo clama por adesão incondicional a causas, Cristo exige submissão incondicional à Sua pessoa. Como lembra o teólogo Tim Keller: "O evangelho não é uma ideologia a ser imposta, mas uma pessoa a ser seguida. Ideologias dividem; Cristo reconcilia."
Parte da crise atual se deve ao fato dos cristãos, chamados a serem sal da terra e luz do mundo, trocarem a fidelidade às Escrituras pela sedução do poder temporal. Seja na direita ou na esquerda, há quem use o nome de Cristo como capa para projetos humanos – e o resultado é a confusão entre Reino de Deus e reinos deste mundo (João 18:36). John Stott alertava: "A Igreja que se casa com o espírito de uma época, ficará viúva na próxima." E Abraham Kuyper, com sua visão reformada, lembrava: "Não há um centímetro quadrado em todas as esferas da vida sobre o qual Cristo não diga: 'É meu!'" – o que inclui a política, mas nunca como substituto do evangelho.
Enquanto o mundo opera na lógica do "nós contra eles", o evangelho opera na cruz: "Destruindo a barreira de inimizade" (Efésios 2:14). A verdade cristã não é um instrumento de dominação, mas de humilhação – pois nos lembra que todos estão sob o mesmo pecado (Romanos 3:23) e todos são chamados ao mesmo arrependimento. Dietrich Bonhoeffer, mártir da resistência ao nazismo, sabia disso: "A graça barata é o inimigo da Igreja; a graça custosa, que exige discipulado, é o único antídoto contra a idolatria política."
Se há esperança para um Brasil dividido, ela não virá de slogans políticos, mas de uma Igreja que pregue o evangelho integral (não apenas o que convém), viva a santidade prática (Tiago 1:22) – inclusive na política, ame os inimigos (Mateus 5:44) – mesmo os "do outro lado", e lembre que nosso lar é celestial (Filipenses 3:20) – e não um partido ou ideologia. Como disse Francis Schaeffer: "A verdade bíblica não é apenas para ser crida, mas para ser vivida – e isso inclui amar aqueles que o mundo nos ensina a odiar."
Enquanto o mundo grita "Escolha um lado!", Cristo ordena: "Tome a sua cruz" (Marcos 8:34). A verdade d’Ele não é propriedade de nenhum grupo, mas um chamado a morrer para as paixões tribais e viver para o Reino. A polarização é um sintoma da queda; a unidade em Cristo, o remédio glorioso. Que a Igreja não se curve às narrativas deste século, mas proclame, com ousadia e amor: "Jesus é o Senhor" – inclusive sobre nossas divisões. Essa é a verdade que liberta. Essa é a verdade que une.
"Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus." (Gálatas 3:28)