Judeus e Persas (hoje iranianos) já foram aliados sob o mesmo céu. O momento tenso tem muito a nos ensinar sobre poder, extremismo e outros temas.
No alvorecer da história, quando os impérios se erguiam sobre os alicerces da fé e da espada, o grande Ciro da Pérsia estendeu sua mão aos judeus exilados na Babilônia. O decreto do rei persa, registrado no Livro de Esdras (1:1-4), não foi apenas um ato político, mas um gesto de humanidade que ecoou através dos séculos: "Assim diz Ciro, rei da Pérsia: O Senhor, Deus dos céus, me deu todos os reinos da terra e me encarregou de construir um templo para ele em Jerusalém." Naquele momento, persas e judeus eram aliados sob o mesmo céu.
Séculos mais tarde, a história de Ester, a rainha judia que salvou seu povo do extermínio no Império Persa, revelou outra faceta dessa relação: uma convivência tensa, mas permeada pela possibilidade de redenção. O livro de Ester, com seu drama de poder e sobrevivência, lembra-nos que até mesmo os maiores impérios são frágeis diante da coragem de um povo unido. "Quem sabe se não foi para um momento como este que você chegou à posição de rainha?" (Ester 4:14).
As raízes desses povos mergulham ainda mais fundo, até Abraão, o patriarca comum. De Isaque veio Israel; de Ismael, os árabes. Dois irmãos separados pelo destino, mas cujas histórias se entrelaçaram em conflitos e alianças. O filósofo francês Albert Camus, refletindo sobre a natureza humana, escreveu: "O homem é a única criatura que se recusa a ser o que é." Talvez essa recusa explique por que irmãos tornam-se inimigos quando o poder e o egoísmo obscurecem a memória compartilhada.
No século XX, durante a Guerra Fria, Irã e Israel encontraram-se novamente como aliados tácitos. O Xá Reza Pahlavi, pró-Ocidente, e o jovem Estado judeu viram no outro um parceiro contra o expansionismo árabe e o socialismo soviético. Mas a Revolução Islâmica de 1979 rasgou esse véu de conveniência. O ayatollah Khomeini chamou Israel de "o Pequeno Satã", e desde então, as relações degeneraram em sombras de guerra. O historiador britânico Arnold Toynbee já alertara: "O egoísmo nacional não é apenas um pecado, é um erro estratégico."
Hoje, sob o espectro de mísseis e drones, o que resta desses laços ancestrais? O poeta persa Rumi, cuja sabedoria transcende fronteiras, oferece um lampejo de esperança: "Por trás de toda disputa, há um anseio por união." Mas enquanto o poder falar mais alto que a memória, Ciro e Ester permanecerão não como símbolos de reconciliação, mas como lembranças distantes de um tempo em que a geopolítica não havia sepultado a humanidade.
"Do decreto de Ciro às ameaças de hoje, a história se repete — não como tragédia ou farsa, mas como um espelho quebrado, onde cada fragmento reflete um pedaço da mesma alma perdida."