Texto do pastor e jornalista Vivaldo Silva a propósito do desfecho trágico da vida de Clóvis Xavier nesta terça-feira.
Não é sobre o facão, nem sobre o grito que se calou. Não é sobre a mancha no chão ou os flashes dos celulares que, ávidos, registraram o que restou. Não é sobre Clóvis Xavier, o homem que outrora embalou corações com canções românticas e hinos sacros, nem sobre os julgamentos rápidos nas redes sociais, onde a justiça se mede em caracteres e a dor vira espetáculo.
É sobre nós.
Somos estranhos amantes do trágico, atraídos pelo que sangra como mariposas à chama, mas que, ao mesmo tempo, condenamos com veemência o mesmo abismo que nos fascina. Cristo, em sua ironia sagrada, chamou isso de "sepulcro caiado" — branco por fora, cheio de ossos por dentro. Gostamos da aparência da virtude, mas raramente suportamos o peso dela. Condenamos o crime, mas consumimos cada detalhe dele. Julgamos o homem, mas não ousamos perguntar: O que o levou até ali?
O coração, diz o profeta, é "enganoso mais do que todas as coisas e desesperadamente corrupto". Quem pode conhecê-lo? Quem pode dizer, com certeza, que nunca carregou dentro de si um germe da mesma loucura? Clóvis não era um monstro. Era um homem. E talvez aí esteja o verdadeiro horror: a descoberta de que o abismo não está lá fora, mas dentro — de todos nós.
As respostas fáceis não servem. Não basta culpar os vícios, a ausência de Deus, a solidão ou a falência do amor — ainda que tudo isso pese. O mal não é uma força externa que invade os fracos; é uma semente que cresce no silêncio, regada por negligências, mágoas e desesperos acumulados. Quantos, antes de tomarem decisões extremas, tentaram ser ouvidos? Quantos de nós, ocupados em condenar, paramos para escutar?
No fim, resta o silêncio. E talvez seja nele, longe do barulho das opiniões e dos julgamentos, que possamos encarar a verdade mais dura: não somos tão diferentes daqueles que caem. A única diferença é que, por enquanto, ainda conseguimos disfarçar.
Ah, não é sobre Clóvis. Nunca foi.
É sobre o que ele nos revela — e o que preferimos não ver